“Nasceram flores num canto de um quarto escuro
Mas eu te juro meu amor, são flores de um longo inverno”
Otto, em 6 Minutos
Eu queria que você soubesse que naquele dia em que te vi do outro lado da rua atravessei as paredes do meu orgulho como quem ignora os tijolos erguidos no esquecimento de nossa história.
Queria que soubesse que antes de ultrapassar a linha imaginária que delimitava o repouso e a segurança do encontro de nossos ombros, tive o cuidado de não olhar para os lados da rua na incerteza insólita de ser atingido, atropelado e morto, levando para sempre comigo a imagem estática de seu sorriso preso à minha retina.
Queria que soubesse que quando nos abraçamos naquela manhã de feira livre na minha rua, o cheiro do seu cabelo impregnou as raízes do meu olfato contaminando a respiração da minha memória. Cada piscadela de meus cílios eram flashes cortantes do tempo em que juntos adormecemos o sono do desejo, amordaçamos os lábios da espera.
Queria que soubesse que quando me perguntaste se eu estava bem, gostaria de ter ido além da mera e burocrática confirmação e exposto o quanto me sentia feliz naquele momento em revê-la após tanto tempo de silêncio guardado nos olhos das intenções que viraram palavras suspensas na esfera do arrependimento.
Queria que soubesse que no instante que lhe disse que estava de folga não esperava que abrisse mão do seu dia, mas que compartilhasse comigo a vontade de querer sem poder fazê-lo. E que torci para que não pedisse para eu te ligar, mas sim que dissesse que você me ligaria.
Queria que soubesse que me ocorreu de forma tola e repentina a vontade de lhe contar que agora tenho em meu quarto um quadro metálico com fotos semelhante ao que você tinha no seu escritório e que nele também há um retrato seu, bela e jovem, cabelo longo e solto espalhado pelo vento da estrada, descobrindo as sardas e o vermelho do sol dos seus ombros. Se eu tivesse mais tempo teria lhe contado também que encontrei e revelei um tubo de filme fotográfico antigo, quase que perdido, com imagens nossas, e que a alegria e ternura ali registradas reforçam o caráter intrínseco da nossa intensa e estreita amizade.
Queria que soubesse que outro dia, do alto do terceiro andar, de frente para a parede de vidros, enquanto corria na esteira da academia para alcançar as batidas da canção que saiam flutuando dos fones do ipod, eu vi você passar calmamente caminhando pela calçada da rua, pisando docemente leve e provocante, quase que irritando o meio fio; por pouco não me jogo em uma das janelas e grito seu nome, por pouco você não olhou para cima e em minha direção. E assim que lhe perdi de vista, fechei os olhos e me imaginei infantilmente atravessando os estilhaços da janela para te alcançar.
Queria que soubesse que ainda lembro da nossa intuição revestida de medo à espera do dia em que nossos abrigos seriam ninhos distantes. Nosso temor era a chegada dessa falha na percepção do desequilíbrio amoroso que não nos orienta quando o encanto se vai.
E queria que soubesse que ainda lembro dos cafés daquele último inverno e das tardes que tanto me afligiram. De todos os nossos esforços para emplacar a esperança e de todos os nossos cantos. Da vez que descemos a serra e enquanto freava para não tocar o veículo da frente, tentava alcançar com uma das mãos o par de presilhas de cabelo com rostos de menina que estava embaixo do banco para te dar de presente, o qual eu chamei de Maria e Elisa.
Mas eu te juro meu amor, são flores de um longo inverno”
Otto, em 6 Minutos
Eu queria que você soubesse que naquele dia em que te vi do outro lado da rua atravessei as paredes do meu orgulho como quem ignora os tijolos erguidos no esquecimento de nossa história.
Queria que soubesse que antes de ultrapassar a linha imaginária que delimitava o repouso e a segurança do encontro de nossos ombros, tive o cuidado de não olhar para os lados da rua na incerteza insólita de ser atingido, atropelado e morto, levando para sempre comigo a imagem estática de seu sorriso preso à minha retina.
Queria que soubesse que quando nos abraçamos naquela manhã de feira livre na minha rua, o cheiro do seu cabelo impregnou as raízes do meu olfato contaminando a respiração da minha memória. Cada piscadela de meus cílios eram flashes cortantes do tempo em que juntos adormecemos o sono do desejo, amordaçamos os lábios da espera.
Queria que soubesse que quando me perguntaste se eu estava bem, gostaria de ter ido além da mera e burocrática confirmação e exposto o quanto me sentia feliz naquele momento em revê-la após tanto tempo de silêncio guardado nos olhos das intenções que viraram palavras suspensas na esfera do arrependimento.
Queria que soubesse que no instante que lhe disse que estava de folga não esperava que abrisse mão do seu dia, mas que compartilhasse comigo a vontade de querer sem poder fazê-lo. E que torci para que não pedisse para eu te ligar, mas sim que dissesse que você me ligaria.
Queria que soubesse que me ocorreu de forma tola e repentina a vontade de lhe contar que agora tenho em meu quarto um quadro metálico com fotos semelhante ao que você tinha no seu escritório e que nele também há um retrato seu, bela e jovem, cabelo longo e solto espalhado pelo vento da estrada, descobrindo as sardas e o vermelho do sol dos seus ombros. Se eu tivesse mais tempo teria lhe contado também que encontrei e revelei um tubo de filme fotográfico antigo, quase que perdido, com imagens nossas, e que a alegria e ternura ali registradas reforçam o caráter intrínseco da nossa intensa e estreita amizade.
Queria que soubesse que outro dia, do alto do terceiro andar, de frente para a parede de vidros, enquanto corria na esteira da academia para alcançar as batidas da canção que saiam flutuando dos fones do ipod, eu vi você passar calmamente caminhando pela calçada da rua, pisando docemente leve e provocante, quase que irritando o meio fio; por pouco não me jogo em uma das janelas e grito seu nome, por pouco você não olhou para cima e em minha direção. E assim que lhe perdi de vista, fechei os olhos e me imaginei infantilmente atravessando os estilhaços da janela para te alcançar.
Queria que soubesse que ainda lembro da nossa intuição revestida de medo à espera do dia em que nossos abrigos seriam ninhos distantes. Nosso temor era a chegada dessa falha na percepção do desequilíbrio amoroso que não nos orienta quando o encanto se vai.
E queria que soubesse que ainda lembro dos cafés daquele último inverno e das tardes que tanto me afligiram. De todos os nossos esforços para emplacar a esperança e de todos os nossos cantos. Da vez que descemos a serra e enquanto freava para não tocar o veículo da frente, tentava alcançar com uma das mãos o par de presilhas de cabelo com rostos de menina que estava embaixo do banco para te dar de presente, o qual eu chamei de Maria e Elisa.
Queria que soubesse que ainda me visitam em sonhos parcos as paradas dos ônibus que eu pegava para chegar a sua casa e que isso me faz recordar do tanto que me perdi quando tentei ir de trem. Que o portão da tua escola de alguma forma está associada à canção do Smiths que te acompanhava. Que o ciúme severo de tua irmã hoje me faz rir pois me remete a vez que fingimos estudar na cozinha. Que quando é madrugada sem luz, lembro da noite que de tanto que choveu, houve um blecaute em todo o bairro; nossos beijos eram as lamparinas da garagem. Lembro como se não soubesse que você também nunca esqueceu.
Queria que soubesse que quando rasteiramente sua voz como um sussurro que se dúvida a exatidão invadiu meus ouvidos em formato de confissão dizendo que sentia saudades, meus joelhos dobraram-se em forma de V a centímetros de sentimentos do chão. E que quando ligeiramente me convidou para segui-la, minha negativa foi um sim que aguarda a confirmação.
Queria que soubesse que assim que nos despedimos, infinitos três minutos e trinta e três segundos depois, o tempo congelou e retornou - como se nossas vidas coubessem em uma xícara preenchida por uma canção rock-pop de amor - numa sucessão de horas de dias passados que me contenta e desalenta, me derruba e reinventa, por ter vivido o possível e não o imponderável.
Queria que soubesse tanta coisa e tão pouca quanta não seria capaz de contar.
Jânio Dias