Já passou. Guardo um ramo de lembranças na parte esquerda do peito. Folhas suspensas no asfalto frio da memória. Grãos de areia que formam o deserto molhado da retina. O que vivi de belo preservo com o cuidado da mão leve sobre o cristal. O que vivi de belo preserva o melhor de mim no tempo.
Levo minha vida celebrando o passado e fazendo atualizações do presente. Não preciso citar na construção ligeira de um perfil o quanto já gostei de RPM ou li as letras de Guilherme Isnard como poesias. Quantas vezes me deparei sozinho em um show do Capital Inicial cantando desesperada e insanamente canções como Veraneio Vascaína ou Fátima. Não preciso contar que música em inglês para mim eram apenas Smiths ou U2 e variantes, ou quase nunca música em inglês, porque eu precisava saber exatamente o que estava sendo dito; hoje quero ter noção apenas do que sinto. Aliás, “só ouço o que me toca”. Não preciso citar minhas canções favoritas da Legião Urbana como as mais importantes da minha vida. Só preciso saber que as vivi intensamente, como quem visitou por raras vezes o parque num domingo de sol ao lado dos pais. Hoje vou ao parque ao lado de outras pessoas não menos importantes.
A minha primeira namorada foi tão importante quanto a última. Tão necessária para o que sou hoje como a professora Heliete da 4ª série. Tão fundamental para os meus dentes quanto o bochecho com flúor antes das aulas. Tão essencial para os bailinhos do ginásio quanto a prima que passou férias em casa e me beijou na boca aos 12. Eu recordo isso como um brilho eterno de uma mente com lembranças.
No universo da música construo relações de amor com o que considero que há de melhor. Minha opinião é individual e não quer fomentar verdade a quem quer que seja; muito menos fazer pose para chamar atenção. Pose é para quem não entende o movimento do próprio corpo. Passei há muito da fase de procurar a menina ideal pelos discos que ela tem em casa, hoje acredito que nossos discos precisam combinar em 25% ao menos. Não sou eu que estou menos seletivo, meu gosto restrito é que é abrangente. Uma frase emblemática como “só o rock é sobre amor” pode parecer discriminatória, mas no fundo representa apenas um elemento pessoal que alimenta e faz suscitar a paixão pela música. Considero meus gostos atuais como evoluções daquilo que conheci. Aquilo que vivi me preparou para aceitar o novo.
Não sou eu que vivo em um universo paralelo, é você querido e velho amigo, que não se dispõem a acompanhar o que nasceu e nasce após a nossa rica e perene geração coca-cola. E não me venha com a cega e ignorante resposta de que o que é produzido hoje não presta ou é tudo lixo. O entulho é formado pelo que nossos olhos não acessam e pelo que nossos ouvidos não permitem a visita. Ouvir rock da geração 00 é doar sabedoria em troca de energia e jovialidade. É como sentir o frescor do corpo de uma menina.
Algumas bandas e canções serão para sempre únicas, como únicos e eternos são alguns amores. E dentre eles, velho e querido amigo, o nosso.
Jânio Dias