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imagem: arquivo pessoal
“Sem horas e sem dores / respeitável público pagão / a partir de sempre toda cura pertence a nós / toda resposta e dúvida / todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser / todo verbo é livre para ser direto ou indireto / nenhum predicado será prejudicado / nem tampouco a crase, nem a frase, nem a vírgula e ponto final! / afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas / e estar entre vírgulas pode ser aposto / e eu aposto o oposto que vou cativar a todos / sendo apenas um sujeito simples / um sujeito e sua oração / sua pressa e sua prece / que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não / que enxerguemos o fato / de termos acessórios para nossa oração / separados ou adjuntos, nominais ou não / façamos parte do contexto / sejamos todas as capas de edição especial / mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante / sejamos também a contra-capa / porque ser a capa e ser a contra-capa / é a beleza da contradição / é negar a si mesmo / e negar a si mesmo / é muitas vezes, encontrar-se com Deus / com o teu Deus / sem horas e sem dores / que nesse momento que cada um se encontra aqui agora / um possa se encontrar no outro, e o outro no um / até porque... / tem horas que a gente se pergunta... / por que é que não se junta tudo numa coisa só?”
O Teatro Mágico, em Sintaxe à Vontade, de Fernando Anitelli
Um vento leve havia soprado o nome aos cílios da novidade, um link no blog da menina-cabeça-de-liquidificador havia despertado a atenção dos olhos curiosos, uma matéria sobre fãs fanáticos no guia de cultura do jornal provocou um sussurro ao pé da sobrancelha. Era preciso visitar a magia, conhecer seus efeitos, mas eu só encontrava os rastros desfeitos de quem já a conhecia, e por isso sabia que era preciso estar atento as datas e locais do acontecimento. As entradas são para raros.
Quase duas dúzias de meses depois, em uma das últimas apresentações do 1º ato, os olhos puderam descansar felizes, inteiramente sorridentes.
O relógio piscava 0h48 de domingo, 08 de junho, Mogi da Cruzes, SP, quando a mágica apagou as luzes para acender o canto de milhares de vozes em uníssono. Duas horas antes, parado na calçada esperando que os carros deixassem que fosse possível atravessar para o outro lado da rua para entrar no Clube de Campo, uma menina que aparentemente não era da cidade, explicava ao garoto aparentemente da cidade, num misto de segredo e mistério, que O Teatro Mágico era uma cartola gigante de onde saltavam os personagens que alimentavam seus sonhos mais coloridos. Fiquei alguns longos e indecifráveis três segundos parado olhando para a menina, mais olhando do que tentando entendê-la, quando fui puxado para atravessar a rua.
Se eu pudesse compartilhar o gosto impreciso da minha saliva com ela, lhe diria que O Teatro Mágico é um hospício que hospeda a tristeza risonha dos dias que esquecemos no amanhã, para nos doar a beleza do agora.
É felicidade que inventa a mentira que queremos viver, é verdade que lembramos de contar nos dedos da manhã. É alegria que inverte o sentido da maquiagem do rosto, é lagrima que rejuvenesce as linhas do tempo.
É loucura que transborda a sensatez do pranto, é delírio que desperta a inconsciência do riso descontrolado. É a sanidade de quem reencontrou o mar.
É canto que seduz a menina virgem, é texto que encanta a menina experimentada, é melodia que desacredita o rancor do velho senhor. É teatro que estreita a distância entre os parágrafos.
É infância revisitada com bolinhos de chuva na cozinha da avó, é café com leite em manhã que não teve aula. É beijo na bochecha do irmão mais novo quando estava dormindo, é ser beijado pelo irmão mais velho e fingir que estava dormindo.
É levar a sobrinha para passear com a motinha na pracinha da cidade e insistir pra ela pedalar, quando o mais bonito é vê-la empurrar o próprio brinquedo. É perder-se cantando junto quando o mais belo é apreciar o restante do público cantar em harmonia desesperada.
É enlevar o rosto borrado nos caminhos mais trôpegos, é encenar o riso quente nas curvas do precipício, é encarar a queda sem colocar a mão no nariz. É encandear os pensamentos nas alegrias que virão.
É estender as mãos para as singularidades do acaso. É acordar o dia seguinte com confiança guardada no peito. É abranger a prece para o amigo do lado.
É acenar a boca molhada de desejo para a fruta nua sobre a mesa.
É fomentar a independência da nossa imaginária liberdade.
São acordes luminosos no fogo de cordel encantado. É romantismo carnavalesco entre hermanos e lirismo revolucionário de uma legião.
É poesia que faz da arte lençóis que cobrem multidões; é prosa que inventa arte nas multidões descobertas.
É aceitar a partida sem pressa, de bicicleta; é acertar a chegada sem calma, a cavalo.
O Teatro Mágico é a esperança que não me acompanhava.
Jânio Dias
PS.: thanks Veneza, por proporcionar o encontro do desejo à magia.
O Teatro Mágico, em Sintaxe à Vontade, de Fernando Anitelli
Um vento leve havia soprado o nome aos cílios da novidade, um link no blog da menina-cabeça-de-liquidificador havia despertado a atenção dos olhos curiosos, uma matéria sobre fãs fanáticos no guia de cultura do jornal provocou um sussurro ao pé da sobrancelha. Era preciso visitar a magia, conhecer seus efeitos, mas eu só encontrava os rastros desfeitos de quem já a conhecia, e por isso sabia que era preciso estar atento as datas e locais do acontecimento. As entradas são para raros.
Quase duas dúzias de meses depois, em uma das últimas apresentações do 1º ato, os olhos puderam descansar felizes, inteiramente sorridentes.
O relógio piscava 0h48 de domingo, 08 de junho, Mogi da Cruzes, SP, quando a mágica apagou as luzes para acender o canto de milhares de vozes em uníssono. Duas horas antes, parado na calçada esperando que os carros deixassem que fosse possível atravessar para o outro lado da rua para entrar no Clube de Campo, uma menina que aparentemente não era da cidade, explicava ao garoto aparentemente da cidade, num misto de segredo e mistério, que O Teatro Mágico era uma cartola gigante de onde saltavam os personagens que alimentavam seus sonhos mais coloridos. Fiquei alguns longos e indecifráveis três segundos parado olhando para a menina, mais olhando do que tentando entendê-la, quando fui puxado para atravessar a rua.
Se eu pudesse compartilhar o gosto impreciso da minha saliva com ela, lhe diria que O Teatro Mágico é um hospício que hospeda a tristeza risonha dos dias que esquecemos no amanhã, para nos doar a beleza do agora.
É felicidade que inventa a mentira que queremos viver, é verdade que lembramos de contar nos dedos da manhã. É alegria que inverte o sentido da maquiagem do rosto, é lagrima que rejuvenesce as linhas do tempo.
É loucura que transborda a sensatez do pranto, é delírio que desperta a inconsciência do riso descontrolado. É a sanidade de quem reencontrou o mar.
É canto que seduz a menina virgem, é texto que encanta a menina experimentada, é melodia que desacredita o rancor do velho senhor. É teatro que estreita a distância entre os parágrafos.
É infância revisitada com bolinhos de chuva na cozinha da avó, é café com leite em manhã que não teve aula. É beijo na bochecha do irmão mais novo quando estava dormindo, é ser beijado pelo irmão mais velho e fingir que estava dormindo.
É levar a sobrinha para passear com a motinha na pracinha da cidade e insistir pra ela pedalar, quando o mais bonito é vê-la empurrar o próprio brinquedo. É perder-se cantando junto quando o mais belo é apreciar o restante do público cantar em harmonia desesperada.
É enlevar o rosto borrado nos caminhos mais trôpegos, é encenar o riso quente nas curvas do precipício, é encarar a queda sem colocar a mão no nariz. É encandear os pensamentos nas alegrias que virão.
É estender as mãos para as singularidades do acaso. É acordar o dia seguinte com confiança guardada no peito. É abranger a prece para o amigo do lado.
É acenar a boca molhada de desejo para a fruta nua sobre a mesa.
É fomentar a independência da nossa imaginária liberdade.
São acordes luminosos no fogo de cordel encantado. É romantismo carnavalesco entre hermanos e lirismo revolucionário de uma legião.
É poesia que faz da arte lençóis que cobrem multidões; é prosa que inventa arte nas multidões descobertas.
É aceitar a partida sem pressa, de bicicleta; é acertar a chegada sem calma, a cavalo.
O Teatro Mágico é a esperança que não me acompanhava.
Jânio Dias
PS.: thanks Veneza, por proporcionar o encontro do desejo à magia.
5 comentários:
Amigo Jânio...
Espero que essa sua emoção, seja também a minha daqui a alguns dias.
Ainda bem que o meu desejo, logo, logo poderá ser realizado. Agora só faltam 9 dias.
Beijo!
Que linda homenagem ao teatro completamente mágico e que prazer em saber que tive alguma importância na sua aproximação com este grupo que só produz coisas belas, assim como você...
sei que estive ausente, mas convido-lhe a frequentar meu retorno! oba! beijo!
Olá Jânio...
Admiração pelo TM eu já tinha, mas por vc foi despertada ao ler essa homenagem maravilhosa e conhecer a doçura das suas palavras...
Achei muito bonito, citei vc no meu blog: http://livinhagi.blogspot.com/
Há alguns textos lá, mas looonge de ser uma poeta e sim uma grande admiradora.
Parabéns!
Amei, não tem como expressar o que eu senti lendo seu texto de outra forma, simplesmente amei!
nossa...
o que "as pessoas comuns" pensam os poetas descrevem em palavras,
cada virgula explicando cada segundo de um primeiro momento, da primeira sensação... Parabens isso não é para todos...
a cada dia me surpreendo mais com você, mais um agregado... um poeta
"tudo numa coisa só"...
ainda estou imprecionada.
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