imagem: The Kiss, 1907-08, by Gustav Klimt
“In time, I'll belong to you
It's how it's meant to be”
Little Joy, em The Next Time Around
It's how it's meant to be”
Little Joy, em The Next Time Around
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Hoje acordei protegendo-me dos raios de sol que atravessavam as frestas da janela. Eles eram lisos e finos, mas intensos, cegamente brilhantes, como o dia que lhe conheci.
Logo a luz abaixou e o rubro de seus cabelos afogou-me a face. Não foi possível tocá-los nem mesmo perguntá-los em que quarto estava, pois o improvável de sua presença logo se fez realidade. Vi o meu edredom verde de listas brancas sobre a cama, os travesseiros vestindo fronhas azuis que combinam com os lençóis no mesmo tom, estampados com pétalas que parecem pintadas com o dedo indicador. Os livros amontoados, logo acima de minha cabeça, embaralhados como cartas que um dia lhe enviei, sossegam os contornos do meu amanhecer.
Levantei meio desorientado como um besouro que acabou de ser atacado e apenas dobrou uma das asas. Debato-me com minhas mãos em minhas pernas, ponho os pés no chão meio que entortando os joelhos, aprumo a coluna, e enfrento o corredor rumo ao banheiro. Tropeço no pufe pequeno na passagem pela sala, esbarro na estante de cd’s, faço meia volta e inclino o corpo para a cozinha. Preciso de um café urgente, seis xícaras, a medida exata aprendida com você. Só o cheiro já me satisfaz, lembra demoradamente nossas manhãs de mesa montada para dois. Relaxo acordando no sofá, fico disperso, sobrevoando o horizonte da parede de dvd’s.
Tenho tido tampo tempo para mim mesmo nos últimos dias, e mesmo assim ainda considero cedo para gastar as horas que economizei em todos esses anos de trabalho desgastante procurando outro do mesmo gênero. Esse drama não gostaria de viver outra vez, queria um filme mais leve e ensolarado, como as tardes que passávamos olhando a vista do alto da sua janela. Criativo como os rascunhos dos versos que experimentamos, onde sempre desenhávamos um menino e uma menina no final. Positivamente alegre como os nomes de crianças que inventamos, docemente fértil como as peças de lego que colocávamos uma sobre a outra e de repente tínhamos uma cidade.
Ainda gosto de usar caneta hidrocor para contornar os traços das linhas que estico e encurto na folha de sulfite. Lembra que foi você que me ensinou a técnica correta para preencher o lado de dentro do desenho? Você me prometeu que um dia faríamos o mesmo nas paredes de nossas casas. Eu queria começar pela parede atrás do seu sofá, como se fosse desenhar com a ponta do canivete num banco de praça ou numa árvore centenária no parque. Queria marcar primeiro o corpo do seu apartamento para depois entregar-lhe o meu. Eu nunca te contei, mas um dia escrevi com giz de cera nossos nomes atrás do seu guarda-roupa. Foi a forma que encontrei para nunca abandonar seu quarto.
Não faz muito tempo refiz o caminho daquele passeio beirando o mar, um final de semana pulando amarelinha sob as praias, desde antes o sol nascer a partir de Bertioga até o dia se pôr em Ubatuba. Um único fim de semana vivido em horas que se multiplicavam na delicia de cada paisagem e na surpresa incerta do próximo repouso. As curvas intensas da estrada, o cheiro constante da brisa das árvores, a vista incansável de um verde molhado contornando o infinito que se confundia com nossos delírios de não mais querer voltar. Seguir em viagem como nômade, como quem destina a vida ao sacrifício de não fincar raízes, como vento a semear sem parada para colheita. Como pássaro a deixar um amor em cada lugar. Refiz sozinho o percurso para em cada momento mágico encontrá-la em toda parte.
Outro dia foi seu aniversário e preparei um presente personalizado para você. Sempre gostamos tanto daquela música do Wander Wildner, aquela, lembra? Mas você sabe, eu nunca gostei da idéia de ser tão direto, sempre tive a imagem de que isso torna algo tão profundo em alguma coisa comum e perecível. Sempre procurei dizê-lo de tantas outras formas. E lembrando da camiseta, preparei uma estampa especial para você usar. Um fundo vermelho com vários símbolos em branco, aleatórios, soltos, mas presos um ao outro. O desenho de dois gatos que são um casal, um meio violão da capa daquele disco, um chapéu de cangaceiro, um par de all star; uma flor que é um pouco lírio, um pouco papoula e bastante amor-perfeito; um varal com roupas, um sol sorrindo, a torre Eiffel, uma bateria; um pingüim, uma pirâmide, uma lua, um infinito e um coração. E atrás, em letras pequenas e todas juntas: eutenhoumacamisetaescritaeuteamo.
Hoje tirei o meu dia para pensar em você. Terminei o filme que começamos assistindo juntos e não conseguimos chegar ao fim. Cortei a cerca viva do muro e tentei não sujar o quintal da vizinha. Levei o carro para completar o óleo e aproveitei para consertar aquele pneu. Fiz três orçamentos diferentes de tinta e separei três palhetas de cores para escolher com você. Comprei um vinho novo que me chamou a atenção e acho que o Alexandre não poderá vir em casa no domingo. Baixei o quarto episódio da quinta temporada de Lost e acho que vou assistir todos novamente. Escolhi uma música do Liltle Joy como toque do celular para quando você ligar.
Hoje acordei agarrado a você. Levantei o edredom, pedi que ficasse. Você me beijou, agarrei o outro travesseiro e ouvi sua voz suave baixinha em meu ouvido dizendo que já voltava.
Eu respondi sonolento: - Volta antes do dia terminar.
Jânio Dias
Logo a luz abaixou e o rubro de seus cabelos afogou-me a face. Não foi possível tocá-los nem mesmo perguntá-los em que quarto estava, pois o improvável de sua presença logo se fez realidade. Vi o meu edredom verde de listas brancas sobre a cama, os travesseiros vestindo fronhas azuis que combinam com os lençóis no mesmo tom, estampados com pétalas que parecem pintadas com o dedo indicador. Os livros amontoados, logo acima de minha cabeça, embaralhados como cartas que um dia lhe enviei, sossegam os contornos do meu amanhecer.
Levantei meio desorientado como um besouro que acabou de ser atacado e apenas dobrou uma das asas. Debato-me com minhas mãos em minhas pernas, ponho os pés no chão meio que entortando os joelhos, aprumo a coluna, e enfrento o corredor rumo ao banheiro. Tropeço no pufe pequeno na passagem pela sala, esbarro na estante de cd’s, faço meia volta e inclino o corpo para a cozinha. Preciso de um café urgente, seis xícaras, a medida exata aprendida com você. Só o cheiro já me satisfaz, lembra demoradamente nossas manhãs de mesa montada para dois. Relaxo acordando no sofá, fico disperso, sobrevoando o horizonte da parede de dvd’s.
Tenho tido tampo tempo para mim mesmo nos últimos dias, e mesmo assim ainda considero cedo para gastar as horas que economizei em todos esses anos de trabalho desgastante procurando outro do mesmo gênero. Esse drama não gostaria de viver outra vez, queria um filme mais leve e ensolarado, como as tardes que passávamos olhando a vista do alto da sua janela. Criativo como os rascunhos dos versos que experimentamos, onde sempre desenhávamos um menino e uma menina no final. Positivamente alegre como os nomes de crianças que inventamos, docemente fértil como as peças de lego que colocávamos uma sobre a outra e de repente tínhamos uma cidade.
Ainda gosto de usar caneta hidrocor para contornar os traços das linhas que estico e encurto na folha de sulfite. Lembra que foi você que me ensinou a técnica correta para preencher o lado de dentro do desenho? Você me prometeu que um dia faríamos o mesmo nas paredes de nossas casas. Eu queria começar pela parede atrás do seu sofá, como se fosse desenhar com a ponta do canivete num banco de praça ou numa árvore centenária no parque. Queria marcar primeiro o corpo do seu apartamento para depois entregar-lhe o meu. Eu nunca te contei, mas um dia escrevi com giz de cera nossos nomes atrás do seu guarda-roupa. Foi a forma que encontrei para nunca abandonar seu quarto.
Não faz muito tempo refiz o caminho daquele passeio beirando o mar, um final de semana pulando amarelinha sob as praias, desde antes o sol nascer a partir de Bertioga até o dia se pôr em Ubatuba. Um único fim de semana vivido em horas que se multiplicavam na delicia de cada paisagem e na surpresa incerta do próximo repouso. As curvas intensas da estrada, o cheiro constante da brisa das árvores, a vista incansável de um verde molhado contornando o infinito que se confundia com nossos delírios de não mais querer voltar. Seguir em viagem como nômade, como quem destina a vida ao sacrifício de não fincar raízes, como vento a semear sem parada para colheita. Como pássaro a deixar um amor em cada lugar. Refiz sozinho o percurso para em cada momento mágico encontrá-la em toda parte.
Outro dia foi seu aniversário e preparei um presente personalizado para você. Sempre gostamos tanto daquela música do Wander Wildner, aquela, lembra? Mas você sabe, eu nunca gostei da idéia de ser tão direto, sempre tive a imagem de que isso torna algo tão profundo em alguma coisa comum e perecível. Sempre procurei dizê-lo de tantas outras formas. E lembrando da camiseta, preparei uma estampa especial para você usar. Um fundo vermelho com vários símbolos em branco, aleatórios, soltos, mas presos um ao outro. O desenho de dois gatos que são um casal, um meio violão da capa daquele disco, um chapéu de cangaceiro, um par de all star; uma flor que é um pouco lírio, um pouco papoula e bastante amor-perfeito; um varal com roupas, um sol sorrindo, a torre Eiffel, uma bateria; um pingüim, uma pirâmide, uma lua, um infinito e um coração. E atrás, em letras pequenas e todas juntas: eutenhoumacamisetaescritaeuteamo.
Hoje tirei o meu dia para pensar em você. Terminei o filme que começamos assistindo juntos e não conseguimos chegar ao fim. Cortei a cerca viva do muro e tentei não sujar o quintal da vizinha. Levei o carro para completar o óleo e aproveitei para consertar aquele pneu. Fiz três orçamentos diferentes de tinta e separei três palhetas de cores para escolher com você. Comprei um vinho novo que me chamou a atenção e acho que o Alexandre não poderá vir em casa no domingo. Baixei o quarto episódio da quinta temporada de Lost e acho que vou assistir todos novamente. Escolhi uma música do Liltle Joy como toque do celular para quando você ligar.
Hoje acordei agarrado a você. Levantei o edredom, pedi que ficasse. Você me beijou, agarrei o outro travesseiro e ouvi sua voz suave baixinha em meu ouvido dizendo que já voltava.
Eu respondi sonolento: - Volta antes do dia terminar.
Jânio Dias
Um comentário:
Lindo e apaixonante a narração de seu dia pensando nela!
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