“Foi um gol de anjo
Um verdadeiro gol de placa
E a galera agradecida assim cantava”
Jorge Ben Jor, em Filho Maravilha
Neste campeonato Paulista de 2009, meu time de futebol foi sumariamente executado com duas derrotas nas semifinais. O time da minha querida amiga Allcina também. E mesmo antes do segundo jogo de seu time, ela já me avisava que sabia com a antecedência de quem enxerga o jogo com os olhos da admiração, que teria de encarar o gosto azedo da eliminação. E me questionou se eu achava que futebol e poesia podiam ter alguma relação.
Tenho uma grande paixão por futebol. Sou desses que para em frente a TV e assiste qualquer jogo que estiver passando apenas para aguardar o momento impreciso de um lance que gera uma jogada improvável que conduz ao inesperado. Um jogo de futebol é uma colcha de surpresas costurada por detalhes inconstantes e imprevisíveis.
O que para uma mulher é visto como repetição, dezenas dos mesmos pontos de crochê sem formar desenho algum, para o homem é a arte da espera em diferentes níveis para se chegar ao momento sublime: o gol.
Sou torcedor do tipo que torce três vezes: para o meu time ganhar, contra o adversário direto do meu time no campeonato, e a favor de qualquer um que jogue diante do nosso histórico arqui-rival. Torcer é não descansar o olhar curioso e praguejador sobre os outros times.
Se deixarem, sou capaz de acordar no domingo pela manhã para ver alguma partida do campeonato italiano e emendar partidas sucessivas até o final da noite pelos canais de esporte. E quando não há uma transmissão ao vivo, sempre há o VT de alguma partida ou a tradicional mesa redonda de debates intermináveis. E no dia seguinte as partidas recomeçam novamente nas bocas e gozações dos colegas de trabalho. O que convêm dizer que uma partida de futebol nunca termina quando o juiz encerra o jogo. Uma partida de futebol começa quando o torcedor põe em dúvida a imagem precisa do vídeo tape.
Eu me tornei torcedor de futebol pelas linhas brancas da tristeza. Quis o destino que a primeira vez que eu me interessei por um campeonato a camisa escolhida não o vencia há dez 10 anos. E justamente quando tudo parecia caminhar para o fim do jejum, eis que a equipe perde a partida final, e em casa. Na manhã seguinte na escola todos os comentários eram para a incrível derrota de um grande time da capital para um pequeno do interior. Acho que esqueci de torcer por algum tempo para repensar a alternativa feita, mas o coração já havia substituído o vermelho de suas batidas e pulsava o som da vida em tons alviverdes. Ser torcedor na derrota é secar a lágrima salgada da esperança com a manga curta da fé.
Como praticante, eu nunca tive habilidade para me destacar em campo. Meu pé direito nunca me ajudou muito, ele sempre foi ligeiramente aberto para fora, quase uma reta transversal, um diferencial que ao contrário dos joelhos tortos de Garrincha, sempre me provocaram certo desequilíbrio em campo e indefinição no momento do chute. Quando me esforçava para chutar no canto direito do goleiro, a bola ia no meio. Se tentava o esquerdo, ia para fora. Se tentava o meio, ela ia para o alto. Bem por isso eu sempre fui melhor aproveitado no gol. Mas logo surgiu a miopia e ficar embaixo das traves de óculos nunca foi permitido. E mesmo com a falta de sorte e aptidão física para o esporte, minha infância sempre acordava ou dormia com uma bola aos pés da cama. A bola trazia a alegria da imaginação para dentro do quarto. Sonhos de menino que driblavam a falta de cores da televisão. A bola sozinha era uma contadora e pescadora de histórias.
Quase todo dia a tarde os meninos do bairro se reuniam numa rua de terra para formar equipes e disputar partidas acirradas. O gol tinha dez passos de cumprimento e era demarcado por duas pedras. Brincava-se descalço, os times tinham de três a quatro jogadores na linha, não havia posicionamento determinado para ninguém, e as regras eram forjadas na hora. Uma falta, bola para fora, pênalti, eram circunstâncias do momento que se definiam conjuntamente com todos ao mesmo tempo. Chegava o sábado, tomava café, colocava a redonda embaixo do braço e ia bater no portão do meu vizinho de infância para irmos até a quadra da escola. Ainda hoje o muro da casa do vizinho que separa o quintal da casa da minha mãe tem as marcas dos meus chutes cheios de defeitos. Aquele corpo esférico era nossa amiga inseparável. A bola foi nossa primeira amante. O futebol é o primeiro contato amoroso do ponto de vista sexual de um menino.
Quando torcedor formado, o futebol é um ato de guerra. É agressivo, violento, guerreiro. Os jogadores são soldados em defesa de sua pátria. Vivem e matam pelo ideal da conquista. Mas também é meio de expressão da sedução. Ora cadenciado e romântico, ora veloz e abrupto, ora gentil e cuidadoso, o jogo de futebol é a determinação de alcançar o proibido. A linha que delimita o gol de sua entrada é a boca do desejo intransponível. Toda vez que alcançado, toda vez que invadido, as redes do gol balançam as rugas libidinosas e as arquibancadas estremecem os joelhos religiosos. Os torcedores enlouquecem em orgasmos múltiplos explícitos. O gol é a explosão generosa do gozo.
De maneira simplificada, sei que o professor e santista José Miguel Wisnik considera que o futebol é às vezes prosa, outras poesia. No primeiro caso, essa situação acontece quando o time tem como prioridade a defesa, no segundo quando a ênfase proposta é o ataque. No entanto, como os tempos atuais são outros, Wisnik acredita mesmo que em geral o que existe hoje seja uma espécie de prosa ensaística, à procura da poesia.
No jogo de hoje em Santos, a prosa dominou toda a partida, tendo o time da casa feito sucessivos rabiscos ao encontro da mencionada prosa ensaística. Contudo, antes de torcedor e agoureiro, sou admirador da beleza inesperada e espectador da arte incontida do espetáculo. O segundo gol do Ronaldo foi um lampejo radiante e consciente de poesia.
Jânio Dias
Um verdadeiro gol de placa
E a galera agradecida assim cantava”
Jorge Ben Jor, em Filho Maravilha
Neste campeonato Paulista de 2009, meu time de futebol foi sumariamente executado com duas derrotas nas semifinais. O time da minha querida amiga Allcina também. E mesmo antes do segundo jogo de seu time, ela já me avisava que sabia com a antecedência de quem enxerga o jogo com os olhos da admiração, que teria de encarar o gosto azedo da eliminação. E me questionou se eu achava que futebol e poesia podiam ter alguma relação.
Tenho uma grande paixão por futebol. Sou desses que para em frente a TV e assiste qualquer jogo que estiver passando apenas para aguardar o momento impreciso de um lance que gera uma jogada improvável que conduz ao inesperado. Um jogo de futebol é uma colcha de surpresas costurada por detalhes inconstantes e imprevisíveis.
O que para uma mulher é visto como repetição, dezenas dos mesmos pontos de crochê sem formar desenho algum, para o homem é a arte da espera em diferentes níveis para se chegar ao momento sublime: o gol.
Sou torcedor do tipo que torce três vezes: para o meu time ganhar, contra o adversário direto do meu time no campeonato, e a favor de qualquer um que jogue diante do nosso histórico arqui-rival. Torcer é não descansar o olhar curioso e praguejador sobre os outros times.
Se deixarem, sou capaz de acordar no domingo pela manhã para ver alguma partida do campeonato italiano e emendar partidas sucessivas até o final da noite pelos canais de esporte. E quando não há uma transmissão ao vivo, sempre há o VT de alguma partida ou a tradicional mesa redonda de debates intermináveis. E no dia seguinte as partidas recomeçam novamente nas bocas e gozações dos colegas de trabalho. O que convêm dizer que uma partida de futebol nunca termina quando o juiz encerra o jogo. Uma partida de futebol começa quando o torcedor põe em dúvida a imagem precisa do vídeo tape.
Eu me tornei torcedor de futebol pelas linhas brancas da tristeza. Quis o destino que a primeira vez que eu me interessei por um campeonato a camisa escolhida não o vencia há dez 10 anos. E justamente quando tudo parecia caminhar para o fim do jejum, eis que a equipe perde a partida final, e em casa. Na manhã seguinte na escola todos os comentários eram para a incrível derrota de um grande time da capital para um pequeno do interior. Acho que esqueci de torcer por algum tempo para repensar a alternativa feita, mas o coração já havia substituído o vermelho de suas batidas e pulsava o som da vida em tons alviverdes. Ser torcedor na derrota é secar a lágrima salgada da esperança com a manga curta da fé.
Como praticante, eu nunca tive habilidade para me destacar em campo. Meu pé direito nunca me ajudou muito, ele sempre foi ligeiramente aberto para fora, quase uma reta transversal, um diferencial que ao contrário dos joelhos tortos de Garrincha, sempre me provocaram certo desequilíbrio em campo e indefinição no momento do chute. Quando me esforçava para chutar no canto direito do goleiro, a bola ia no meio. Se tentava o esquerdo, ia para fora. Se tentava o meio, ela ia para o alto. Bem por isso eu sempre fui melhor aproveitado no gol. Mas logo surgiu a miopia e ficar embaixo das traves de óculos nunca foi permitido. E mesmo com a falta de sorte e aptidão física para o esporte, minha infância sempre acordava ou dormia com uma bola aos pés da cama. A bola trazia a alegria da imaginação para dentro do quarto. Sonhos de menino que driblavam a falta de cores da televisão. A bola sozinha era uma contadora e pescadora de histórias.
Quase todo dia a tarde os meninos do bairro se reuniam numa rua de terra para formar equipes e disputar partidas acirradas. O gol tinha dez passos de cumprimento e era demarcado por duas pedras. Brincava-se descalço, os times tinham de três a quatro jogadores na linha, não havia posicionamento determinado para ninguém, e as regras eram forjadas na hora. Uma falta, bola para fora, pênalti, eram circunstâncias do momento que se definiam conjuntamente com todos ao mesmo tempo. Chegava o sábado, tomava café, colocava a redonda embaixo do braço e ia bater no portão do meu vizinho de infância para irmos até a quadra da escola. Ainda hoje o muro da casa do vizinho que separa o quintal da casa da minha mãe tem as marcas dos meus chutes cheios de defeitos. Aquele corpo esférico era nossa amiga inseparável. A bola foi nossa primeira amante. O futebol é o primeiro contato amoroso do ponto de vista sexual de um menino.
Quando torcedor formado, o futebol é um ato de guerra. É agressivo, violento, guerreiro. Os jogadores são soldados em defesa de sua pátria. Vivem e matam pelo ideal da conquista. Mas também é meio de expressão da sedução. Ora cadenciado e romântico, ora veloz e abrupto, ora gentil e cuidadoso, o jogo de futebol é a determinação de alcançar o proibido. A linha que delimita o gol de sua entrada é a boca do desejo intransponível. Toda vez que alcançado, toda vez que invadido, as redes do gol balançam as rugas libidinosas e as arquibancadas estremecem os joelhos religiosos. Os torcedores enlouquecem em orgasmos múltiplos explícitos. O gol é a explosão generosa do gozo.
De maneira simplificada, sei que o professor e santista José Miguel Wisnik considera que o futebol é às vezes prosa, outras poesia. No primeiro caso, essa situação acontece quando o time tem como prioridade a defesa, no segundo quando a ênfase proposta é o ataque. No entanto, como os tempos atuais são outros, Wisnik acredita mesmo que em geral o que existe hoje seja uma espécie de prosa ensaística, à procura da poesia.
No jogo de hoje em Santos, a prosa dominou toda a partida, tendo o time da casa feito sucessivos rabiscos ao encontro da mencionada prosa ensaística. Contudo, antes de torcedor e agoureiro, sou admirador da beleza inesperada e espectador da arte incontida do espetáculo. O segundo gol do Ronaldo foi um lampejo radiante e consciente de poesia.
Jânio Dias
12 comentários:
E meu time tá na final! Uhuuu
hahaha
Beijos.
Jânio,
Descobri o seu blog pelas indicações do Bité, do blog "Eu é uma árvore". Devo dizer que gostei muitíssimo dos seus textos. Adoro textos que, a partir do cotidiano, das coisas corriqueiras, nos fazem pensar sobre a poesia, sobre a música que está escondida, implícita em tudo. Futebol realmente é um assunto apaixonante. Na verdade, qualquer assunto pode ser, depende de quem apresenta o conteúdo e, a sua apresentação foi magistral. Mesmo quem não gosta de futebol (o que não é o meu caso) iria passar a gostar um pouquinho, tamanha a beleza de suas descrições. E o que dizer de suas lembranças futebolísticas da infância. Emocionantes e singelas, despertaram em mim um sentimento nostálgico composto de uma mescla de melancolia da saudade por tudo o que já passou, e, ao mesmo tempo, orgulho e satisfação por ter vivido tudo aquilo...
Enfim, parabéns mais uma vez. De coração. Vida longa a este blog e ao seu autor.
Um abraço,
Adriano.
Assim como uma Fênix Ronaldo ressurge das cinzas, agora ja pela terceira vez! Os gatos tem 7 vidas, ele ja esta na terceira...mas agora tem algo de especial e magico neste novo ressurgimento! Tem um manto sagrado que o cobre, manto esse nascido na madrugada fria e iluminada apenas pela luz de um lampião de um quase centenario e distante 1910, no ate hoje bairro operario do Bom Retiro nas esquinas das atuais ruas Jose Paulino com (veja como e a vida!) rua dos Italianos, quase todos eles Corinthianos e não Palestrinos como poderia se imaginar! Entre os Anjos que naquela madrugada foram instrumentos de Deus comandados por um Santo Guerreiro, alias o mais Guerreiro de todos os Santos para dar a Luz e trazer a vida aquele que se tornaria o mais importante, amado, odiado, invejado, copiado... de todos os clubes do futebol mundial(É o unico Bi-Campeão Mundial de fato e de direito e Invicto, Venezuela-1953 e Maracanã-2000) estão operarios, barbeiros, vendedores, alfaiates...gente do povo! Desculpe, não consigo mais escrever, pois ja não estou conseguindo mais segurar as lagrimas ao falar do S.C.Corinthians Paulista, minha Vida, minha História, Meu Eterno Amor! Campeão ou não, tu és e sempre sera minha Eterna e maior PAIXÃO! Marcelo Gilberto (Vulgo Leite) LHP-RSJ
Sexta ao reencontrá-lo depois de um "campeonato paulista" perguntei como vc estava... ouvi vc responder como estava o seu time! confesso que estranhei, mas lendo agora seu (ótimo) post, entendo-o perfeitamente!!! rs
beijo e boa sorte na Libertadores!!! rs
Oi meu amigo Jânio...
Não tem jeito, desculpe mas quem tem R9 não precisa de mais nada!!
TIMÃO CAMPEÃO!!!
Saudadessssssssss
Bjsss
Van
Oi, Ve! Congratulações pela campanha! Beijos!
Opa, Adriano! Seja muito bem vindo. Muito obrigado pelas palavras gentis. Sou fã dos seus comentários no blog do Bruno, sempre evitando o senso comum. E adoro as discussões de idéias e ideais entre vocês dois. Um grande abraço!
Olá, Marcelão! Obrigadão pela visita. Precisamos marcar uma tarde de bate-papo e cervejas com o Adriano, Erik e Volges. Grande Abraço!
Oi, Re! Pois é... acho que sou mais apaixonado pelo tema do que pensava! No entanto, acho que minha reação a sua pergunta estava diretamente influenciada pelo comentário que você fez na nossa foto do orkut. E eu ainda tenho dois ovos de páscoa do meu time pra abrir... Beijos!
Oi, Van! O R9 é só a cereja encantada do bolo. Existe muito mais coisa por baixo e ao redor. Mas é claro, sem ele não teriam chegado tão longe. Saudades também. Beijos!
Rapidinha.
O Lucio Ribeiro disse no Twitter: "decidi o nome do meu filho: cleiton."Aí eu pensei: sorte minha de não ter filho nascendo por essa semana. Senão se chamaria... Cleiton Xavier.
Não entendeu? Veja aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=LgSdVuQKpRU
Opa! Essas semi-finais do paulistão realmente despertaram a paixão e poesia do futebol até mesmo dentro de um espectador esporádico como eu; em boa parte graças a esse fenômeno que, confesso, também por mim foi desacreditado devido a sua opulência bovina, que, no entanto, foi responsável por eliminar meu querido tricolor-tricampeão. Esses dois últimos gols merecem todas as prosas poéticas do mundo, e quando um time joga bem assim, por mais que seja o Corinthians, por mais que doa, é preciso admitir: parabéns.
Que venha o Brasileiro.
Abraço!
Pois é Bruno... Isso que é o pior: dói e é belo.
Um grande abraço prá você!
rs Coincidências à parte, sou palmeirense - apaixonada.
E concordo que a partida não termina qnd o juiz determina não. A partida começa, pq é aí que a gente se diverte. Ou outro alguém se diverte com a gente. rs Mas é bom, isso é inegável.
Meu beijo
Não gostei da parte que vc fala que "para a mulher, futebol é algo repetitivo, como dezenas de pontos de crochê sem formar desenho algum",porque eu já fui como vc, de começar no italiano e acabar nas mesas redondas, hj, nem tanto, mas continuo aficcionada por futebol. De todas as sensações que vc falou, eu sei, sei na pele... e nesse coração, que já disparou inúmeras vezes por causa do meu amado clube. Tbm já me arrisquei a jogar, uma canhota muito dedicada, mas ñ rendeu bons frutos, melhor é ficar sentadinha assistindo e, claro, dando altos palpites (faz parte!)
Agora me diz, oq uma filha única não é capaz de fazer para ter mais atenção de seu pai!? A culpa dele!!! O azar é dos rivais!
E o lucro é do Mengão!!
Beijo!!
Oi, Maria! Que outra bela coincidência! :) A esperança é verde; e o amor também. Beijo!
Oi, Ludmila! Você tem razão, eu deveria ter dito "para a maioria das mulheres futebol é..." E quanta felicidade a do seu pai, não?!! O sonho de todo pai. Sorte hoje. Beijo!
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