imagem: Agatha Katzensprung
Era uma tarde de sábado de fim de inverno. As flores dos pés de ipê enfeitavam o caminho. Pisávamos sobre o meio fio da calçada com sapatos atentos para desviarmos das cores ora amarela, ora roxa e branca que embelezavam o chão. A temperatura caia devagar como nossos passos a caminhar até a estação do metrô.
Meu amigo Lucio e eu íamos recepcionar algumas pessoas do fã clube “Metal Contra as Nuvens” da Legião Urbana em retribuição a festa que havíamos visitado como convidados especiais. Nada podia ser mais pueril do que um intercâmbio de fã clubes da mesma banda. Uma década antes e um encontro assim seria um ato político. Em nossas cabeças política era debater sentimentos em letras de canções.
Contornamos a última curva em direção ao metrô, paro por meio segundo e recolho uma flor caída sobre o asfalto, olho para a entrada da estação e penso se ela também estaria entre os convidados daquela tarde.
Avistamos o grupo pelas estampas inconfundíveis das camisetas. Apesar do vento frio que percorria o interior da estação, os agasalhos ficavam abertos para exposição de um tipo raro de orgulho que carregávamos no peito.
Eles também nos reconhecem e se aproximam. Um grupo de cinco pessoas e apenas uma menina. Repasso com pressa as cortesias masculinas. Ignoro os rostos com qualquer sinal de pêlos. Só tenho olhos para a moça que protegia as mãos nos bolsos do casaco jeans não abotoado. Um sorriso gentil de que eu já te conheço é lançado. Largo os olhos no movimento ligeiro de seu corpo em minha direção, e com apenas uma das mãos, apóia meu rosto contra suas bochechas rosadas.
Era ela, a menina da bandeira, agora como visitante. Rapidamente aprendo seu nome. Tudo fica mais fácil quando se conhece a palavra que se designa uma pessoa.
- Oi!; desculpe a mão gelada, é onde costumo sentir mais frio. Diz retornando os dedos para o bolso do casaco e encolhendo o queixo.
- Não se preocupe, o apartamento é aqui perto. Logo você se sentirá melhor. Apesar de que lá faz muito frio também, talvez você precise de mais uma blusa.
- Talvez eu aceite um par de luvas! Replica mordendo o lábio inferior, inclinando a cabeça levemente sobre o ombro esquerdo.
O vento da estação rente aos meus cílios é um silêncio revelador. Ao contrario das mãos dela, as minhas suam. Se ela precisa de mais agasalho, eu posso doar o meu. Diferente do combinado, sinto vontade de mandar todos embora: seus amigos, meu amigo e todas as outras pessoas que nos esperavam no apartamento. Queria aquela tarde para saber bem mais do que apenas seu nome. Queria bem mais do que dividir nossa experiência de shows. Queria bem mais do que a narrativa de algumas histórias. Queria lhe oferecer minha boca para aquecer seu corpo.
Eu quase que podia vê-la entrando sozinha no quarto e abrindo a segunda gaveta da direita, debaixo para cima do guarda roupas e escolhendo um par de meias. Quase que podia imaginá-la saindo do banheiro só de toalha e andando descalça pela sala para depois me pedir para aquecer seus pés. Quase que podia sentir a fragrância da paixão percorrer os braços dos meus óculos. Quase que ainda posso tocá-la só de pronunciar seu nome.
Maria Elisa. Nunca mais esqueci esse lindo nome.
Maria Elisa. Cabelos negros ondulados em contraste com a pele branca, lisa qual cerâmica a escorregar. Olhos de amêndoas descascadas, lânguidos e repuxados como a provocar um mistério entre o norte e o oriente. Lábios lascivos de exclamações invertidas a duvidar de sentidos e intenções. O grande prazer dos sentidos é não exigir razão.
Lembro agora que naquela tarde eu não tinha luvas para te emprestar, mas levaste minha blusa de lã e uma flor roxa contigo.
Agora sei por que sempre olho com carinho para todo pé de ipê que amanhece desagasalhado para minhas retinas.
Jânio Dias
“Half of what I say is meaningless
But I say it just to reach you,
Julia”
The Beatles, em Julia
But I say it just to reach you,
Julia”
The Beatles, em Julia
II
Era uma tarde de sábado de fim de inverno. As flores dos pés de ipê enfeitavam o caminho. Pisávamos sobre o meio fio da calçada com sapatos atentos para desviarmos das cores ora amarela, ora roxa e branca que embelezavam o chão. A temperatura caia devagar como nossos passos a caminhar até a estação do metrô.
Meu amigo Lucio e eu íamos recepcionar algumas pessoas do fã clube “Metal Contra as Nuvens” da Legião Urbana em retribuição a festa que havíamos visitado como convidados especiais. Nada podia ser mais pueril do que um intercâmbio de fã clubes da mesma banda. Uma década antes e um encontro assim seria um ato político. Em nossas cabeças política era debater sentimentos em letras de canções.
Contornamos a última curva em direção ao metrô, paro por meio segundo e recolho uma flor caída sobre o asfalto, olho para a entrada da estação e penso se ela também estaria entre os convidados daquela tarde.
Avistamos o grupo pelas estampas inconfundíveis das camisetas. Apesar do vento frio que percorria o interior da estação, os agasalhos ficavam abertos para exposição de um tipo raro de orgulho que carregávamos no peito.
Eles também nos reconhecem e se aproximam. Um grupo de cinco pessoas e apenas uma menina. Repasso com pressa as cortesias masculinas. Ignoro os rostos com qualquer sinal de pêlos. Só tenho olhos para a moça que protegia as mãos nos bolsos do casaco jeans não abotoado. Um sorriso gentil de que eu já te conheço é lançado. Largo os olhos no movimento ligeiro de seu corpo em minha direção, e com apenas uma das mãos, apóia meu rosto contra suas bochechas rosadas.
Era ela, a menina da bandeira, agora como visitante. Rapidamente aprendo seu nome. Tudo fica mais fácil quando se conhece a palavra que se designa uma pessoa.
- Oi!; desculpe a mão gelada, é onde costumo sentir mais frio. Diz retornando os dedos para o bolso do casaco e encolhendo o queixo.
- Não se preocupe, o apartamento é aqui perto. Logo você se sentirá melhor. Apesar de que lá faz muito frio também, talvez você precise de mais uma blusa.
- Talvez eu aceite um par de luvas! Replica mordendo o lábio inferior, inclinando a cabeça levemente sobre o ombro esquerdo.
O vento da estação rente aos meus cílios é um silêncio revelador. Ao contrario das mãos dela, as minhas suam. Se ela precisa de mais agasalho, eu posso doar o meu. Diferente do combinado, sinto vontade de mandar todos embora: seus amigos, meu amigo e todas as outras pessoas que nos esperavam no apartamento. Queria aquela tarde para saber bem mais do que apenas seu nome. Queria bem mais do que dividir nossa experiência de shows. Queria bem mais do que a narrativa de algumas histórias. Queria lhe oferecer minha boca para aquecer seu corpo.
Eu quase que podia vê-la entrando sozinha no quarto e abrindo a segunda gaveta da direita, debaixo para cima do guarda roupas e escolhendo um par de meias. Quase que podia imaginá-la saindo do banheiro só de toalha e andando descalça pela sala para depois me pedir para aquecer seus pés. Quase que podia sentir a fragrância da paixão percorrer os braços dos meus óculos. Quase que ainda posso tocá-la só de pronunciar seu nome.
Maria Elisa. Nunca mais esqueci esse lindo nome.
Maria Elisa. Cabelos negros ondulados em contraste com a pele branca, lisa qual cerâmica a escorregar. Olhos de amêndoas descascadas, lânguidos e repuxados como a provocar um mistério entre o norte e o oriente. Lábios lascivos de exclamações invertidas a duvidar de sentidos e intenções. O grande prazer dos sentidos é não exigir razão.
Lembro agora que naquela tarde eu não tinha luvas para te emprestar, mas levaste minha blusa de lã e uma flor roxa contigo.
Agora sei por que sempre olho com carinho para todo pé de ipê que amanhece desagasalhado para minhas retinas.
Jânio Dias
15 comentários:
Amigo Jânio...
Estou sempre por aqui. Na maioria das vezes não digo nada. Venho mesmo sabendo que não haverá nenhum texto, apenas para cumprir com o meu ritual diário. Quando não encontro nada novo, releio meus prediletos ou então apenas coloco meus olhos em contemplação as belas imagens que você posta junto com os textos. Em especial adoro essas fotografias da Agatha Katzensprung, vou procurar mais sobre ela.
Passei os últimos dias ansiosa pelo próximo capítulo, ao contrario de você, adoro uma boa novela. Muito diferente das novelas da TV, você colocou detalhes tão precisos a dois encontros que talvez a outros olhos passassem completamente desapercebidos.
Adorei o final. (“Agora sei por que sempre olho com carinho para todo pé de ipê que amanhece desagasalhado para minhas retinas.”)
Beijo!
“O grande prazer dos sentidos é não exigir razão.”
Tudo belo, mas "Lábios lascivos de exclamações invertidas a duvidar de sentidos e intenções..." exacerbou minhas borboletas gástricas!!! Lindíssimo trecho! beijos púrpuros para você e para Maria Elisa!
PS: eu gosto de novela, mas prefiro minisséries! rs
O encontro, os detalhes e as cores de um encontro. O ipê, os detalhes e as cores de um ipê. São momentos e experiências que fazem a vida valer a pena.
Abraxxxx....
Meu menino querido
Andei lendo, assim despretenciosamente (se é possível ler-te assim) e quando vi a tarde tinha ido embora... Não dá para comentar tudo, isso ia acabar num tratado e tb porque ando muito lenta (faz parte da doença).
Mas não ando triste (melhor assim)
Ando sim, é com um baita orgulho de ver seu blog entre o top 100!
Parabéns, menino bonito.
Você merece!
Um grande e carinhoso beijo
(Agora vc tem um "enviado" Gabriel! Eles, os enviados, são seres especiais... pelo menos a minha Gabriela é!)
Quem tá demorando agora é você, voltei já outras vezes e cadê um novo post? rs
beijos
Amigo poeta !!
Especial, romântico, cuidadoso e detalhista com as palavras.
Belíssimo texto comparativo com a associação entre o ipê, àquela tarde e a Maria Elisa.
Progresso !!
Te encontrei!!!!!!
Ah Menino bonito, vc me perdoa?
Com tudo que está acontecendo e sem o orkut para me lembrar que ontem era dia 6, não te parabenizei no dia certo.
Vc aceita meu abraço hoje?
Tudo de melhor que a vida puder lhe oferecer e tudo o que as pessoas antes de mim escreveram, é o que quero para você...
Além de muita luz, para vc continuar espalhando brilho por onde passa,
Um grande beijo
Kátia (Múltiplas Faces)
Obs.: Tentei mandar pelo orkut, mas o danadinho não aceitou e mandou para sua pasta de spam!
Beijo vestido de saudade... Volta ^^
Olá,
Passando para conhecer seu belo e interessante espaço e desejar uma linda semaninha e muita paz em seu lar,.
Smack!
Edimar Suely
jesusminharocha2.zip.net
Nossa... cuidado com a dengue! Por que parou? Parou por quê?
Muita saudade de ler belas palavras por aqui...
Volta! Reapareça! Abração!!
Flores de ipê são sempre um bom sinal. Nunca ignoro um caminho desenhado por elas.
Grande abraço!
Que silêncio...
Jânio, esperamos como dever ser. Mas, então, bate a saudade e nos perguntamos: cadê você?
Desejo que esteja tudo bem e que volte, em breve, a nos presentear com os teus escritos.
Abraço!
Jânio, eu e tantos outros continuamos procurando vestígios de você. Não desistiremos. Dê notícias, sim?
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