imagem: Gecko, 1998 by Vivika Alexander
Tem dias em que procuro o sim. Desencontro-me dos motivos de desistir e da condição de negar. Abraço um perfume cor de jasmim, beijo uma corrente de ar no corredor do quintal, desloco o queixo branco sobre lírios roxos no muro da vizinha. Convido as pombas na garagem para passear, cumprimento o cão com uma batida no peito. Faço continência para o gato preguiçoso deitado sobre a boca do poço.
Conto as folhas da árvore no chão e penso na sutileza e na fúria dos ventos que as derrubaram. Pego a mangueira d’água e esguicho meu nome sobre as plantas. Não meço a quantidade de água que desperdiço no quintal, estou matando a sede da terra.
Não me preocupo com a porta aberta da geladeira, não controlo a luz da lâmpada acesa no banheiro, não verifico se desliguei o gás do fogão ou tranquei a porta da cozinha, deixo a cortina desalinhada e a janela entreaberta; não cuido da casa, minha casa é que cuida de mim.
Enrolo uma canção num guardanapo e deixo sobre o capô de um carro vermelho qualquer. Esqueço um livro de bolso no banco do metrô, ofereço o guarda-chuva para a velhinha que vai atravessar a rua. Grito com o farol amarelo: “você não sabe, mas é laranja”.
Afogo o pãozinho com margarina na caneca de café da padaria repleta de pessoas estranhas vestidas com ternos escuros e mulheres elegantes com seus saltos agulha de furar gelo. O pãozinho com margarina afoga minha diferença de classe.
Peço licença ao morador de rua para tirar uma foto de seu abrigo. Seus tapetes são papelões de fogo. Suas cobertas é o fogo em forma de papelão. O vento que passa por ali cheira a querosene. O clique da foto provoca combustão temporária no coração. Seu sorriso de janelas abertas é o consentimento da licença para pisar na calçada de sua morada. Suas marcas no rosto é o fluxo luminoso da vida que passa ausente de concessões.
Quando a menina branca de sardas atravessa o portão de casa vejo uma criança sapeca e radiante correndo de braços abertos na minha direção. Ela se joga contra meu corpo, me beija e me abraça com ternura imaculada. Quando a mesma menina atravessa a porta de casa, as paredes viram-se de costas, o chão afasta a mesinha de centro, o sofá se desloca para o outro canto, o tapete fica maior e colorido, o batente da porta do quarto estica-se, a cama não espera nossa chegada. Essa menina é ninfa que desaloja a casa. Quando ela está em casa, a cidade se ausenta para nós.
Tem dias que digo sim para a vida.
Tem dias que não procuro o caminho curto, o tropeço certo. Desvencilho-me do andar trôpego, desato as cordas da rua, solto o ar dos pulmões no precipício mais perto. Ralo os calos dos pés, enxugo as feridas das mãos, seco as lágrimas da camisa verde. Imponho no peito a insígnia da fé. Tem dias que digo sim para o que vier a frente.
Tem dias que aproximo o aconchego de velhos amigos.
Tem dias que não repercuto a falta. A justificativa de quem não veio, a desculpa de quem perdeu o endereço. O descuido com a história, o descaso com o amor. Não culpo quem me esqueceu; perdôo quem me negou. Tem dias que sou indulto.
Meus dias ardem. Tem tarde. Querem arte.
Tem dias que carrego sol no coração.
Jânio Dias
“Quando o sol me iluminar
Estrela de calor e luz
Vem me acordar
Eterna como a vida é
Sempre a acabar”
Astromato, em Sonhos de Alta Definição
Estrela de calor e luz
Vem me acordar
Eterna como a vida é
Sempre a acabar”
Astromato, em Sonhos de Alta Definição
Tem dias em que procuro o sim. Desencontro-me dos motivos de desistir e da condição de negar. Abraço um perfume cor de jasmim, beijo uma corrente de ar no corredor do quintal, desloco o queixo branco sobre lírios roxos no muro da vizinha. Convido as pombas na garagem para passear, cumprimento o cão com uma batida no peito. Faço continência para o gato preguiçoso deitado sobre a boca do poço.
Conto as folhas da árvore no chão e penso na sutileza e na fúria dos ventos que as derrubaram. Pego a mangueira d’água e esguicho meu nome sobre as plantas. Não meço a quantidade de água que desperdiço no quintal, estou matando a sede da terra.
Não me preocupo com a porta aberta da geladeira, não controlo a luz da lâmpada acesa no banheiro, não verifico se desliguei o gás do fogão ou tranquei a porta da cozinha, deixo a cortina desalinhada e a janela entreaberta; não cuido da casa, minha casa é que cuida de mim.
Enrolo uma canção num guardanapo e deixo sobre o capô de um carro vermelho qualquer. Esqueço um livro de bolso no banco do metrô, ofereço o guarda-chuva para a velhinha que vai atravessar a rua. Grito com o farol amarelo: “você não sabe, mas é laranja”.
Afogo o pãozinho com margarina na caneca de café da padaria repleta de pessoas estranhas vestidas com ternos escuros e mulheres elegantes com seus saltos agulha de furar gelo. O pãozinho com margarina afoga minha diferença de classe.
Peço licença ao morador de rua para tirar uma foto de seu abrigo. Seus tapetes são papelões de fogo. Suas cobertas é o fogo em forma de papelão. O vento que passa por ali cheira a querosene. O clique da foto provoca combustão temporária no coração. Seu sorriso de janelas abertas é o consentimento da licença para pisar na calçada de sua morada. Suas marcas no rosto é o fluxo luminoso da vida que passa ausente de concessões.
Quando a menina branca de sardas atravessa o portão de casa vejo uma criança sapeca e radiante correndo de braços abertos na minha direção. Ela se joga contra meu corpo, me beija e me abraça com ternura imaculada. Quando a mesma menina atravessa a porta de casa, as paredes viram-se de costas, o chão afasta a mesinha de centro, o sofá se desloca para o outro canto, o tapete fica maior e colorido, o batente da porta do quarto estica-se, a cama não espera nossa chegada. Essa menina é ninfa que desaloja a casa. Quando ela está em casa, a cidade se ausenta para nós.
Tem dias que digo sim para a vida.
Tem dias que não procuro o caminho curto, o tropeço certo. Desvencilho-me do andar trôpego, desato as cordas da rua, solto o ar dos pulmões no precipício mais perto. Ralo os calos dos pés, enxugo as feridas das mãos, seco as lágrimas da camisa verde. Imponho no peito a insígnia da fé. Tem dias que digo sim para o que vier a frente.
Tem dias que aproximo o aconchego de velhos amigos.
Tem dias que não repercuto a falta. A justificativa de quem não veio, a desculpa de quem perdeu o endereço. O descuido com a história, o descaso com o amor. Não culpo quem me esqueceu; perdôo quem me negou. Tem dias que sou indulto.
Meus dias ardem. Tem tarde. Querem arte.
Tem dias que carrego sol no coração.
Jânio Dias
4 comentários:
Esse post me lembrou do 365...
"Tem dias que eu digo não, inverno no meu coração..."
só que do avesso! hehehe
Esse fds pensei em vc...
assisti pela 1ª vez o filme Requiem para um sonho, dai lembrei do endereço do seu blog... fiquei a me questionar se seu blog tinha alguma relação com o filme ou sei lá o que...
Liga não Janio, ando com a cabeça tão cheia de coisas que ultimamente só sai besteira dessa minha cachola... rs
bjs
RAPAZ!!!
Gostei muito desse texto "sol no coração". Parabéns! Que frase maravilhosa essa: "Tem dias que sou indulto".
Muito sol pra você ai.
Dauri Batisti
Querido, tem dias em que me emociono com os seus belos textos. Como consegue? hahaha.
Beijos e bom trabalho!
Imagem e texto bem casados... =] Muito bom!
Postar um comentário