imagem: Martin Kenny
“Eu quis querer o que o vento não leva
Prá que o vento só levasse o que eu não quero
Eu quis amar o que o tempo não muda
Prá que quem eu amo não mudasse nunca”
Paralamas do Sucesso, em Um Pequeno Imprevisto
Eu tinha certeza que hoje choveria. O sol não nasceria em respeito, faria um dia ou mais de silêncio. Não tocaria os sinos das janelas das casas, não entraria pelas fendas estreitas dos telhados. Cederia sua imponência à bebedeira do céu.
Hoje choveria, eu tinha certeza.
Ao olhar para o firmamento do céu lembraria do amigo que não saia da minha casa quando menino pequeno. Das nossas idas à cachoeira em dias de calor intenso, do olhar parado observando em silêncio ou evitando o futuro junto à queda d’água. Das batalhas no campinho de terra que virava lago de lama vermelha quando chovia. Do concreto escaldante da quadra da escola e do alívio das chuvas de janeiro. O amigo de infância faz falta em dias de chuva.
Eu achei que hoje ao abrir os ouvidos enxergaria gotas ácidas de lembranças celestes no quintal. Tomariam formas das manhãs ausentes de preocupações como nos dias que não havia aula (Se o meu amigo ainda não estivesse aparecido em casa, eu iria até a casa dele com a bola embaixo do braço). Formariam poças inquietas de carrinhos disputando corrida sob chuva com pneus de plástico mesmo (Os carrinhos de bateria ou autoramas eram sonhos inalcançáveis na tv). O chão estaria inflamado convidando para um passeio de bolinhas de gude no céu (As pipas estariam em baixo da cama esperando o sol sorrir).
Hoje ao levantar, imaginei que ao olhar o céu desceriam lembranças carinhosas e corrosivas. Que o café que estava pronto na garrafa havia sido feito pela minha mãe e que ao subir a escada de cinco degraus até a sala, encontraria meu pai assistindo ao seu programa sertanejo preferido. Eu não brigaria com ele para ver o desenho do pica-pau porque ele só fazia aquilo quando podia estar descansando naquele sofá. O tio, a tia e os primos estariam vindo para almoçar em casa após quatro conduções e três horas de viagem. A saudade do que não existe mais é um fio fino, frio e corrosivo.
Ontem ao deitar, pensei que hoje assistiria pelas frestas da cortina a um show de pingos incessantes de poesia caindo no quintal. Pingos que tornam a vida ainda mais molhada, como a carta da menina amada que diz que esteve nos últimos dias pensando muito em mim, “nada de mais” ela frisa, apenas pensando sem saber o porquê; como a ligação do amigo enfatizando que precisamos nos ver antes do ano acabar, o e-mail da amiga que confirma a ida ao teatro sem confirmarmos a data, ou a ligação do outro amigo avisando que não irá em casa porque irá jogar futebol em outra cidade. Os pingos que caem do céu são o apego às pessoas que amamos em forma de reticências molhadas.
Agora, enquanto exponho o coração às linhas desniveladas do tempo, estico o olhar pela janela e quase que posso sentir o cheiro do vento embriagado que passa avisando que vai chover, sim. Quase que posso sentir meu cabelo se mexer com a corrente fresca de ar que invade o quarto. Talvez seja aviso falso, pois há nuvens brancas e espessas como algodão doce lá em cima; e o sol colori todo o resto de amarelo constante. Mas nada muda a sensação aqui dentro, de inverno que se instalou em forma de distância e amor.
Em dias como o de hoje, com chuva ou sol, meu coração é úmido como meu choro.
Jânio Dias
Prá que o vento só levasse o que eu não quero
Eu quis amar o que o tempo não muda
Prá que quem eu amo não mudasse nunca”
Paralamas do Sucesso, em Um Pequeno Imprevisto
Eu tinha certeza que hoje choveria. O sol não nasceria em respeito, faria um dia ou mais de silêncio. Não tocaria os sinos das janelas das casas, não entraria pelas fendas estreitas dos telhados. Cederia sua imponência à bebedeira do céu.
Hoje choveria, eu tinha certeza.
Ao olhar para o firmamento do céu lembraria do amigo que não saia da minha casa quando menino pequeno. Das nossas idas à cachoeira em dias de calor intenso, do olhar parado observando em silêncio ou evitando o futuro junto à queda d’água. Das batalhas no campinho de terra que virava lago de lama vermelha quando chovia. Do concreto escaldante da quadra da escola e do alívio das chuvas de janeiro. O amigo de infância faz falta em dias de chuva.
Eu achei que hoje ao abrir os ouvidos enxergaria gotas ácidas de lembranças celestes no quintal. Tomariam formas das manhãs ausentes de preocupações como nos dias que não havia aula (Se o meu amigo ainda não estivesse aparecido em casa, eu iria até a casa dele com a bola embaixo do braço). Formariam poças inquietas de carrinhos disputando corrida sob chuva com pneus de plástico mesmo (Os carrinhos de bateria ou autoramas eram sonhos inalcançáveis na tv). O chão estaria inflamado convidando para um passeio de bolinhas de gude no céu (As pipas estariam em baixo da cama esperando o sol sorrir).
Hoje ao levantar, imaginei que ao olhar o céu desceriam lembranças carinhosas e corrosivas. Que o café que estava pronto na garrafa havia sido feito pela minha mãe e que ao subir a escada de cinco degraus até a sala, encontraria meu pai assistindo ao seu programa sertanejo preferido. Eu não brigaria com ele para ver o desenho do pica-pau porque ele só fazia aquilo quando podia estar descansando naquele sofá. O tio, a tia e os primos estariam vindo para almoçar em casa após quatro conduções e três horas de viagem. A saudade do que não existe mais é um fio fino, frio e corrosivo.
Ontem ao deitar, pensei que hoje assistiria pelas frestas da cortina a um show de pingos incessantes de poesia caindo no quintal. Pingos que tornam a vida ainda mais molhada, como a carta da menina amada que diz que esteve nos últimos dias pensando muito em mim, “nada de mais” ela frisa, apenas pensando sem saber o porquê; como a ligação do amigo enfatizando que precisamos nos ver antes do ano acabar, o e-mail da amiga que confirma a ida ao teatro sem confirmarmos a data, ou a ligação do outro amigo avisando que não irá em casa porque irá jogar futebol em outra cidade. Os pingos que caem do céu são o apego às pessoas que amamos em forma de reticências molhadas.
Agora, enquanto exponho o coração às linhas desniveladas do tempo, estico o olhar pela janela e quase que posso sentir o cheiro do vento embriagado que passa avisando que vai chover, sim. Quase que posso sentir meu cabelo se mexer com a corrente fresca de ar que invade o quarto. Talvez seja aviso falso, pois há nuvens brancas e espessas como algodão doce lá em cima; e o sol colori todo o resto de amarelo constante. Mas nada muda a sensação aqui dentro, de inverno que se instalou em forma de distância e amor.
Em dias como o de hoje, com chuva ou sol, meu coração é úmido como meu choro.
Jânio Dias
8 comentários:
O calor do coração
Hoje faz calor
O ar quente me incomoda
Se continuar
A noite ainda será pior
Pois nada dorme no calor
Hoje faz calor
Pouca roupa chama atenção
Sem reparar
Também estou a admirar
A menina no calçadão
Hoje faz calor
Nem um vento para refrescar
Ficando parado
Nem uma folha balança lá fora
E os carros ajudam a piorar
Hoje faz calor
A noite haverá pernilongo
Nas lâmpadas
Aqueles bichinhos dançando
Caindo dentro de nossas roupas
Hoje faz calor
É quase certeza que vai chover
Pois todo o dia quente
Traz uma chuva úmida
No final do entardecer
Hoje faz calor
A água, o suco e o álcool
Mesmo com o gelo
Parece não fazer efeito
Por mais que eu me embriague
Hoje fez calor
E amanhã precisa fazer
Pois haverá festa
E toda a festa precisa de calor
Para se brindar á alegria
Hoje fez calor
E amanha pode até chover
Mas a festa estará lá
Na chuva e com calor
Refrescando nosso entusiasmo
Sabe que eu também tinha certeza que choveria?
Belo texto.
Beijos.
Hoje está chivendo
Ontem também choveu
Tinha certeza que choveria
Mesmo assim a festa aconteceu
E o choro, virou saudade boa
E assim que deve ser amigo janio
E assim que deve ser
Ae Janio,
Deparei-me com o seu porto/blog ao navegar sem rumo pelos mares da net. Pois é rapaz, gostei do seu blog e do que você escreve, tipo "A saudade do que não existe mais é um fio fino, frio..."
Parabéns.
Dauri Batisti
www.essapalavra.blogspot.com
Hoje, por aqui choveu poesia quando li tamanha vontade de chuvas...
encontrei vc pelo carpinejar, gostei muito do seu espaço.
Não é que chove também dentro de mim.
O coração enche-se e tenta transbordar em lágrimas que me esforço em evitar.
Saudade dói.
Bisous, querido.
Olá,
Que bacana esse seu espaço. É leve e bonito. Gostoso de ler.
Parabéns!
Jacinta Dantas
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