quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Brilho Eterno

imagem: retrato de Mademoiselle Alice Guerin, de Paul Cesar Helleu.


“- Veja você, onde é que o barco foi desaguar
- A gente só queria o amor...
- Deus parece às vezes se esquecer...”

Los Hermanos, em
Conversa de Botas Batidas


“Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança”

Nando Reis, em
Por Onde Andei


Ela confessa: "sinto sua falta, mas estava chateada".

E ela mal sabe como eu me sinto. Como me faz sentir. Como meus dias escureceram sem que o sol se pôr-se. Como a lua invadiu minha retina como se tomasse minha visão para si num eclipse. Como a garoa que cai sobre a estrada que passa próxima à sua casa parece uma tempestade para atravessá-la. Ela mal sabe o quanto me faz falta.

Como faz falta seu sofá salmão desfiado pelas gatas, suas gatas brincando de adagas voadoras pelo apartamento, seus nomes perfeitos de filhas que não teremos, as brincadeiras de provocar até sangrar os arranhões e seus carinhos para suavizar o ardor provocado pelo fim da folia.

Como faz falta ficar em pé em frente à sua janela olhando para o vazio da linha de trem que divide o bairro. A luz cor amarelo-avermelhada que invade a sala quando o dia se vai. As luzes das casas e dos carros enfeitando ao longe a paisagem como lâmpadas em árvores de natal.

Como faz falta o entusiasmo e serenidade que produzia em mim ao tentar lhe mostrar uma banda nova para logo em seguida ouvirmos a mesma velha canção. Como faz falta saber que depois de algum tempo ela descobriria aquela banda e não ouviria outra coisa por semanas, que faria suas viagens de ônibus ouvindo a nossa invisível trilha.

Como faz falta não termos realizado o sonho de morar perto para ir ao parque ou ao mercado juntos, fazer ioga ou tarô, jogar sinuca ou palitinho, assistir dvd’s ou copiá-los, ir à exposição dos dinossauros ou à feira de ciências da 4ª série B, ensiná-la a beber cerveja ou descobrir por quem pintou os cabelos.

Como faz falta nossas conversas que começavam no silêncio dos toques dos dedos sobre as mãos, que se estendiam sem rumo ou sentido pelo mistério de não saber como voltar; como faz falta nossas conversas que se afugentavam no encontro do olhar que nos avisava do perigo de não tentar.

Como faz falta seus cabelos vermelhos esvoaçados como o da foto do deserto de sal, sua pele branca como de renda que ainda formam desenhos no meu olhar de refém, o gosto do algodão cítrico de sua boca que ainda permeia minha memória, o sorriso que encanta no olhar da menina que conheci virgem e já vislumbrava mulher.

Como faz falta ficarmos sozinhos relembrando os dias que não ficamos juntos, como éramos íntimos sem sermos amantes, como éramos amigos sentindo desejos mútuos, como dividíamos o colchão como quem reparte um prato de comida para dois.

Como faz falta lembrar do gosto de nunca tê-la tocado.

Como faz falta esquecer como é amá-la sem estar presente.

Como é difícil sentir a ausência de viver tão perto.


Jânio Dias

3 comentários:

Anônimo disse...

Que triste! Espero esteja bem (se é que essa é a sua situação).

Beijos

Anônimo disse...

Inacabado...mas comentado...

Agora é assim
(Paulinho) 01/10/2007 08:44

Tocar sem poder ter
Se embriagar sem beber
Essa é nossa é a nossa verdade

A intimidade da amizade
Também nos trouxe a realidade
Do que não devemos fazer

Mas se é difícil conter
Como podemos esconder
Tudo que temos vontade

Agora basta escrever
Transbordar serenidade
No silêncio da amizade

Que acompanha nossa idade
Alimentando a amizade
Que faz nos conhecer

Unknown disse...

"E nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz, teremos coisas bonitas pra contar... E até lá... vamos viver..." Saudades sinceras. Sempre.